Nesse dia 29 de dezembro comemoramos 12 anos da publicação da Lei 11.892/2008 que transformou os CEFETS, Escolas Agrotécnicas Federais em Institutos Federais. No livro digital TRANSFORMAÇÃO DO CEFET-SC EM IFSC, escrito em parceria com prof. Consuelo e Marcelo Silva apresentamos uma avaliação desse momento histórico.
A seguir estou compartilhando um extrato desse material.
Até dezembro de 2008, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica era formada por instituições que tinham como objetivo principal promover a formação profissional, mas com características e nomenclaturas distintas. Além dos CEFETs e suas Unidades Descentralizadas de Ensino, a Rede era composta por Escolas Agrotécnicas, Escolas vinculadas às Universidades Federais, uma Escola Técnica Federal e uma Universidade Tecnológica Federal. Em Santa Catarina, a Escola Técnica Federal originária da Escola de Aprendizes Artífices foi formada por apenas uma Unidade durante 79 anos.
Quando a primeira Unidade Descentralizada de Ensino vinculada à Escola Técnica Federal de Santa Catarina foi criada em 1988, na cidade de São José, o Brasil vivia um momento de forte efervescência política com a promulgação da Constituição Federal, chamada por muitos de “constituição cidadã”. Um ano depois, ocorreu a primeira eleição para Presidente da República, após mais de 20 anos de regime de exceção.
No governo FHC, tiveram início as atividades no câmpus Jaraguá do Sul, a segunda unidade descentralizada da então ETF-SC.
No governo do então presidente Luís Inácio Lula da Silva, o crescimento econômico foi acompanhado pela inclusão social e redução da pobreza. Houve investimentos na ampliação da capacidade produtiva do país e na implantação de diversos programas de segurança alimentar, reconhecidos pela Organização das Nações Unidas como exitosos.
Em 2003 foi criada no Congresso Nacional a frente suprapartidária de apoio à Educação Profissional: Frente Parlamentar em Defesa da Educação Profissional. Segundo depoimento do prof. Luiz Edmundo Vargas de Aguiar, ex-Presidente do CONCEFET, a criação da FPDEP surgiu a partir de uma ação promovida pelo CONCEFET junto aos parlamentares.
“Queríamos chamar a atenção para a causa da educação profissional. Por isso colocamos uma placa na entrada do Congresso com os dizeres: SENHOR PARLAMENTAR, APOIE A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL. Compramos capacetes brancos que estavam sendo vendidos em uma obra. Alguns deputados nos chamaram para o Plenário. Eles me deram a palavra para discursar. Dias depois ocorreu o ato de lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Educação Profissional, que era suprapartidária. A frente recebeu assinatura de 187 parlamentares para sua criação. O evento ocorreu no salão verde do Congresso. Todos estavam usando capacetes de obra, para simbolizar o caráter daquele ato (AGUIAR, 2014)”.
A Frente Parlamentar tinha como objetivos: (i) apoiar a Educação Profissional como fator relevante no novo modelo de desenvolvimento do país; (ii) contribuir para uma política de Educação Profissional em sintonia coma política de desenvolvimento do país com ênfase ao caráter público; (iii) contribuir para a implementação de uma política de financiamento da Educação Profissional; e, (iv) contribuir para a alocação de recursos para o ensino Profissionalizante e para o PROEP.
O primeiro grande entrave para a expansão da RFEPCT era a Lei 9.649/1998, que restringia que o governo federal construísse novas escolas: Art. 47. O art. 3o da Lei no 8.948, de 8 de dezembro de 1994, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:
§5° A expansão da oferta de educação profissional, mediante a criação de novas unidades de ensino por parte da União, somente poderá ocorrer em parceria com Estados, Municípios, Distrito Federal, setor produtivo ou organizações não governamentais que serão responsáveis pela manutenção e gestão dos novos estabelecimentos de ensino (BRASIL, 1998).
Segundo Prof. Getúlio Ferreira (2015), que atuou na SETEC entre os anos de 2003 a 2011, a expansão da rede federal era um sonho antigo de diversos dirigentes da Rede Federal EPCT. O consenso político, que até então não era favorável a ampliação da oferta de cursos profissionalizantes, começou a ser alterado com a mudança de governo e com a percepção de que havia baixo percentual de jovens matriculados no ensino técnico, o que seria um obstáculo ao desenvolvimento do país.
Dentro desse contexto, foram construídos, desde o ano de 2005, mais de 450 novos câmpus, três vezes mais que o total de unidades construídas de 1909 a 2004, conforme mostramos no mapa abaixo.
Figura 1- Distribuição espacial dos câmpus da RFEPCT em 2015.
https://educacaoprofissional10anosgloriosos.wordpress.com/fotos-e-clipagem/
A ampliação da oferta de vagas, principalmente longe dos grandes centros urbanos, foi um dos grandes desafios enfrentados pela rede federal de educação profissional e tecnológica. A partir das fases I, II e III do Plano de Expansão e a consequente reorganização da rede por meio dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia os cursos técnicos, os cursos superiores de tecnologia, os cursos de engenharia e até cursos de pós-graduação, passaram a ser ofertados em um mesmo câmpus.
Em Santa Catarina, o processo de expansão teve início no ano de 2005, quando o então CEFET-SC, ampliou a oferta de cursos com a construção das Unidades de Ensino de Chapecó e Joinville, contando para isso com forte apoio do Câmpus Florianópolis. Na cidade de Joinville já funcionava desde 2004 um curso na área de enfermagem sob a responsabilidade do Câmpus Florianópolis.
As primeiras tratativas que antecederam O processo de expansão foram realizadas pelo ex-Ministro da Educação, Tarso Genro, ainda em 2005. Em 22 de março de 2005 ocorreu uma reunião da Direção do CEFET-SC e equipe do MEC tratando da construção do Câmpus Chapecó. Havia uma promessa de campanha da Direção do CEFET-SC de interiorização. Com o Plano de expansão I ainda em andamento foram dados os primeiros passos para a transformação em Institutos Federais.
A Lei no. 11.892/2008 equiparou os institutos federais às universidades, garantindo a oferta em uma única instituição de cursos básicos até mestrado/doutorado profissional. Essa equiparação ampliou significativamente as oportunidades de parcerias com universidades e institutos em todo o mundo. Destaca-se que não existe uma hierarquia entre as universidades, os centros universitários, a universidade tecnológica, as faculdades isoladas e os Institutos Federais. Contudo, passados 12 anos da transformação dos CEFETs em Institutos Federais, ainda é comum se ouvir a pergunta feita por estudantes: “em que os Institutos se diferenciam das Universidades?”
Para esclarecer essa questão, fizemos um levantamento da gênese dos Institutos Federais, com o objetivo de compreender o que os dirigentes do MEC tinham em mente quando conceberam esse novo modelo institucional. Segundo prof. Getúlio Marques Ferreira, então Diretor da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) – MEC, em entrevista concedida em junho de 2007 para a equipe de TV CEFET-RN em Foco, as primeiras ideias relacionadas à reorganização da rede ocorreram em novembro de 2006.
Segundo prof. Getúlio Ferreira, no último ano do governo Lula, o então ministro da educação, prof. Fernando Haddad, havia feito um grande trabalho junto ao MEC, consolidando o PROUNI e entregando 60 novas Unidades em todo território nacional no ano de 2006. Em sua campanha para a reeleição em 2006, o presidente Lula havia prometido avançar ainda mais na construção de novas escolas de educação profissional. O objetivo do presidente era construir mais 150 escolas no segundo mandato, muito mais do que havia sido feito em toda história da educação profissional brasileira. Todavia, os indicadores sobre a escassez de professores nas áreas de matemática, física, química e biologia eram preocupantes e indicavam que o país estava caminhando para um apagão da docência. Havia um déficit de mais de 50 mil professores de física.
O governo federal já havia criado o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) no ano de 2006, com o objetivo de formar professores por meio da modalidade de ensino de Educação a Distância, cuja justificativa para essa iniciativa foi fornecida pelo Prof. Fernando Haddad, ex-Ministro da Educação, em reunião de trabalho realizada em 22 de junho de 2007.
Segundo ele, os Estados não tinham condições financeiras de criar um grande programa de formação, salvo raras exceções. Para o Ministro, o processo de crescimento do Brasil abriu oportunidade histórica para a Educação, Profissional e Tecnológica (EPT), porque havia desafios novos para enfrentar como nação.
Vídeo 1– Reunião de trabalho entre MEC e dirigentes – 22/6/2007.
Segundo o Ministro o governo federal chegou a pensar na criação de um grande centro federal de formação de professores, quando optou pelo modelo da UAB – Universidade Aberta do Brasil.
No final de 2006, era visível o sucesso do Plano de Expansão I e a necessidade emergencial de formação de professores.
A equipe do MEC concebeu, então, a ideia de investir parte dos recursos que seriam priorizados para ampliação da oferta de cursos de licenciaturas na rede federal, de acordo com prof. Getúlio Ferreira, Diretor da SETEC/MEC. Contudo, o problema era que a rede, naquele momento, era um “mosaico”, expressão utilizada por Jaqueline Moll (MOLL, 2007), composto por 36 Escolas Agrotécnicas, 33 CEFETs com suas 58 Unidades de Ensino Descentralizadas (UNEDs), 32 Escolas Vinculadas, uma Universidade Tecnológica Federal e uma Escola Técnica Federal.
Esse formato era resultante de diferentes intervenções ao longo de quase 100 anos, a começar pela criação da rede de 19 Escolas de Aprendizes Artífices para atender preferencialmente os “desvalidos da sorte”, no ano de 1909, pelo Presidente Nilo Procópio Peçanha, por meio do Decreto nº 7.566. Essas escolas transformaram-se sucessivamente em Liceus Industriais, Escolas Industriais, Escolas Técnicas Federais, CEFETs e atuais Institutos Federais e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Ao longo do caminho, novas escolas agrotécnicas foram criadas e algumas universidades criaram seus próprios cursos técnicos.
Com diversos objetivos relacionados à rede de EPT, entre eles a defesa dos interesses das escolas que constituíam a base de apoio dessa rede, os dirigentes reuniam-se em três conselhos distintos: Conselho de Dirigentes dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CONCEFET), Conselho Nacional de Dirigentes das Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais (CONDETUF) e Conselho das Escolas Agrotécnicas Federais (CONEAF), sem deixar de mencionar a experiência da Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), criada em 2005, a partir da transformação do CEFET-PR.
Nessa configuração, a equipe dirigente do MEC entendeu que era preciso constituir uma identidade única para a rede de EPT criando uma nova institucionalidade e alterando as finalidades das instituições para que ela também promovesse a formação de professores. Segundo o ex-dirigente da SETEC, prof Gleisson Rubin (2007), o modelo de Institutos Federais seria quase que uma socialização do grau de excelência que os CEFETs alcançaram para os sistemas que já estão nessa trajetória, tentando atingir os patamares que os alunos dos CEFETs já auferiram. Sua fala explica porque, no Decreto 6905/2007, havia a previsão de que os novos Institutos contribuiriam com 20% de suas vagas para a formação de professores nas áreas de ciências, a fim de diminuir a escassez de docentes das redes estaduais.
Nesse contexto, a criação de uma nova identidade para a rede precisava ocorrer naquele momento estratégico de início do segundo mandato do governo Lula, quando, segundo os próprios dirigentes da SETEC, o governo ainda contava com a força das urnas. Além disso, considerando o sucesso da fase I do Plano de Expansão, havia previsão do lançamento imediato da fase 2 desse Plano. Se a rede era vista como um mosaico, era preciso organizá-la antes que ela recebesse os novos 150 câmpus.
Desde 2002, quando a Escola Técnica Federal de Santa Catarina foi transformada em CEFET-SC, oferecendo além de cursos técnicos, cursos superiores de graduação tecnológica, houve um movimento interno favorável à transformação em Universidade Tecnológica Federal (UTF). Esse movimento se fortaleceu ainda mais pelo processo de expansão I e devido ao fato do CEFET-PR ter alcançado, em 2005, a transformação em UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná – por meio da Lei no. 11.184 de 7 de outubro de 2005.
Em 2006, a Direção do então CEFET-SC entregou ao Presidente Lula, durante sua passagem por Joinville, o projeto da transformação em Universidade Tecnológica. O presidente prontamente se comprometeu a encaminhar o documento para avaliação do próprio Ministro de Educação.
Mas o MEC optou por apresentar aos dirigentes da RFEPCT um modelo diferente da UTFPR, capaz ao mesmo tempo de preservar a oferta dos cursos técnicos e ampliar a oferta de cursos superiores / licenciaturas. Segundo Prof. Garabed Kenchian (2015), o então Secretário da Educação Profissional, prof. Eliezer Pacheco, visitou o CEFET-SP no início de 2007 e apresentou uma proposta de transformação do CEFET-SP em Instituto Federal de Educação Tecnológica de São Paulo. O projeto foi encaminhado para discussão no CONCEFET, que, por fim aprovou que uma eventual transformação em Instituto deveria envolver toda a RFEPCT. Debates acalorados ocorreram em todo o país porque, segundo Domingos Sobrinho (2010), a figura dos Institutos Federais se constituiu em uma “estranha novidade”:
“Não possuindo familiaridade com o objeto representado, no caso o Instituto, os diferentes grupos sociais que compõem a rede não tiveram alternativa senão atribuir sentido ao desconhecido, lançando mão de elementos de sua memória e de outros referentes culturais ligados a sua história e identidade social. Por essa razão, várias e diversificadas foram as reações à proposta do ministro. Umas, demonstraram completa incompreensão do que se estava propondo; outras manifestaram receio, mas exibiram certa simpatia pela idéia; outras ainda vislumbraram, de imediato, alguma trama do capital internacional e a volta do autoritarismo dos “anos de chumbo” (DOMINGOS SOBRINHO, 2010, p.1-2).”
A apreensão trazida pela proposta dos Institutos Federais também surgiu porque durante a Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica realizada em novembro de 2006, cinco meses antes da publicação do Decreto no. 6.095/2007, não houve nenhuma menção sobre o assunto. No entanto, já havia uma intencionalidade de ser reorganizar a rede federal, conforme expresso pelo ex- Ministro da Educação, prof. Fernando Haddad, na reunião de trabalho realizada entre o MEC e os dirigentes da rede no dia 22 de junho de 2007:
“Algumas pessoas me perguntaram por que não se constrói 150 unidades e pronto? Penso que esse é o momento de refletir sobre o novo papel da rede EPT. Há um momento em que qualidade se transformou em quantidade com a ampliação do número de campus. Há aderência da missão institucional ao desenvolvimento nacional. Por isso vivemos um momento histórico novo. Temos que pensar a EPT para 20 anos […]. A rede está madura para enfrentar esse desafio de escala. Se não estivéssemos construindo tantas escolas não haveria sentido a discussão do novo desenho da rede.” (HADDAD, 2007).
A fala do Ministro vem ao encontro da avaliação que fazemos de que não podemos falar da transformação em Institutos Federais sem falar da expansão da rede federal.
Nesse cenário, é preciso ressaltar que o modelo de Universidade Tecnológica Federal, que parecia ser o caminho natural a ser percorrido pelos CEFETs, foi considerado inadequado pela SETEC. Tanto é verdade que, tendo já transformado o CEFET-PR em UTFPR em 2005, o MEC propôs um novo modelo para a rede EPT.
Para o prof. Eliezer Pacheco – um dos idealizadores dos Institutos Federais – em fala realizada no dia 24 de outubro de 2013, durante lançamento do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do IF-Farroupilha, um dos motivos pela não opção do modelo de Universidade Tecnológica do Paraná se deve ao fato de que o CEFET-PR, uma vez transformada em UTFPR, iniciou o fechamento gradual de todos seus cursos técnicos, priorizando cursos superiores de tecnologia, engenharia, mestrados e doutorados.
Figura 2- Diferentes denominações da rede EPT
Analisando a legislação vigente em 2007, somente se entendiam como instituições superiores as Universidades, os Centros Universitários, os CEFETs, que já haviam sido equiparados às universidades, as Faculdades Isoladas e a UTFPR. Houve uma avaliação de que o ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica e o IME – Instituto Militar de Engenharia – eram centros de excelência no ensino, pesquisa e extensão, e não se enquadravam nos padrões legais.
Para Jaqueline Moll, Diretora de Ensino da Rede EPT na época, em entrevista dada ao programa CEFET-RN em Foco em junho de 2007: “o Instituto não seria nem Centro Universitário e nem uma Universidade, mas teria uma função diferenciada. Não há posição hierárquica. À semelhança da tarefa que tem a universidade clássica, a tarefa social uma instituição de educação profissional é diferente de sua tarefa pedagógica. Do ponto de vista do valor estratégico da ação, elas estão no mesmo patamar. Do ponto de vista da autonomia das instituições federais, as que se tornarem IFET estarão também no mesmo patamar. Então o que diferencia? É a função que elas têm. E a função que elas vão desempenhar” (MOLL, 2007).
Na mesma entrevista, Prof. Getúlio Ferreira ressaltou que já existiam outros institutos no país e que nunca houve a preocupação se seriam centros universitários ou universidades:
“Nem sempre o que está na lei é o que acontece. O que é o ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica? O que é o IME – Instituto Militar de Engenharia? Tem que ter coragem para ousar e fazer. Mesmo que a lei diga que só existem universidades, centros universitários e faculdades isoladas, já existem os Institutos ITA e IME que fazem ensino, pesquisa e extensão. Os CEFETs já estão nesse rol. Hoje a lei diz que só existem as universidades, centros federais, faculdades isoladas e os CEFETs.” (FERREIRA, 2007).
Ao propor a criação dos Institutos Federais, até então chamados de IFETs, o objetivo do MEC era criar uma instituição nova, diferente de todos os modelos existentes e que tivesse um claro compromisso com o desenvolvimento regional brasileiro.
O objetivo era não só que essa nova instituição preservasse a vocação histórica da oferta de vagas em cursos técnicos e estivesse comprometida na formação de professores nas áreas de matemática, física, química e biologia, mas também que essa instituição fosse uma referência nos estados, articulando-se com as redes estaduais e municipais de ensino.
Por esse motivo, em seus livros sobre os Institutos Federais, o ex-secretário Eliezer Pacheco ressalta a necessidade de se criar uma nova institucionalidade para a rede federal. Em Os Institutos Federais, uma revolução na educação profissional e tecnológica, o autor destaca que um dos objetivos centrais dessa nova instituição não é formar um profissional para o mercado, mas sim um cidadão para o mundo do trabalho, o qual poderia ser tanto técnico, como um filósofo, um escritor ou tudo isso. Por isso, houve a intencionalidade de integração da educação, da ciência e da tecnologia na nomenclatura dos institutos federais*.
Avaliando os diferentes processos de transformação que aconteceram no país, principalmente nos três estados do sul, podemos afirmar que, até o ano de 2007, existiam diversas escolas que praticamente não se comunicavam dentro de um mesmo estado e dentro de uma mesma região. Pensar em gestão em rede e compartilhamento de experiências exitosas era difícil.
Em Santa Catarina, o Instituto Federal Catarinense (IFC) foi concebido a partir da união de escolas agrotécnicas e vinculadas. No Rio Grande do Sul, o IF-Farroupilha foi criado com base na união de um CEFET e de uma escola agrotécnica. No Paraná, o Instituto Federal do Paraná (IFPR) foi criado a partir da transformação da Escola Técnica Vinculada à Universidade Federal do Paraná (UFPR). O IFSC, junto com mais outros 12 institutos federais, foi transformado a partir de seus próprios câmpus, o que facilitou em muito as discussões para a transformação.
Mesmo percorrendo caminhos diferentes, a partir do ato de transformação por meio da Lei Federal única (Lei 11.892/2008), todas as unidades da rede passaram a seguir os mesmos princípios e finalidades.
A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, enfim, assumiu uma nova institucionalidade e com um diferencial: o compromisso legal de garantir a oferta de 50% de vagas para cursos técnicos, assim como o há de ofertar no mínimo 20% de vagas para cursos de formação de professores (licenciaturas), de atuar de forma integrada com os arranjos produtivos locais, e de contribuir para o desenvolvimento de nosso país. É com base nesses compromissos, que os cursos nas novas instituições têm sido definidos tendo como base audiências públicas e ouvindo-se as representações da sociedade. É por essa razão que a rede de EPT tem o maior grau de capilaridade do país, ocupando 85% das microrregiões brasileiras.
De iniciativas isoladas, a rede EPT passou a se articular pedagogicamente e administrativamente no âmbito nacional e internacional. A estrutura comum permite que as equipes discutam os problemas comuns em busca de soluções comuns, permitindo que as boas práticas sejam compartilhadas para toda a rede.
Com a diversidade da oferta de cursos que vão desde cursos de formação inicial e continuada (FIC), técnicos, cursos superiores de tecnologia, engenharias e pós-graduações, os Institutos Federais criaram um ambiente favorável para a inovação a partir da sintonia fina entre a prática e a teoria.
Para Eliezer Pacheco (2009), essa organização verticalizada, da educação básica a superior, é um dos fundamentos dos Institutos Federais, pois ela permite que os docentes atuem em diferentes níveis de ensino e que os discentes compartilhem os espaços de aprendizagem, incluindo os laboratórios, possibilitando o delineamento de trajetórias de formação que podem ir do curso técnico ao doutorado.
Conforme entrevista do prof. Getúlio, ainda em novembro de 2006 teve início no MEC os primeiros estudos técnicos para viabilização do novo modelo. Essa necessidade de reorganização da rede já vinha sendo pensada no MEC meses antes, conforme informação dada em Santa Catarina pelo então Ministro da Educação Fernando Hadadd entre os eventos de inauguração dos Câmpus Joinville e Chapecó. Durante os meses de janeiro, fevereiro e março de 2007 foi elaborado o Decreto 6.905/2007, que foi lançado em conjunto com o Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação (PDE). Os motivos da criação dos Institutos Federais e não de Universidades Tecnológicas, como ocorreu com a UTFPR em 2005, podem ser melhor compreendidos no artigo do prof. Moisés Domingos Sobrinho (2007).
Em linhas gerais, podemos afirmar que houve a intenção clara de não se reproduzir o modelo e o caminho seguido pela UTFPR, que dentro da prerrogativa constitucional de autonomia universitária, abriu mão da oferta de cursos técnicos em detrimento da oferta de cursos superiores e de pós-graduação. Por isso havia a preocupação de garantir em lei a obrigatoriedade de que metade da oferta de metade das vagas dos Institutos Federais fossem para cursos técnicos. Considerando-se a necessidade de ampliação da formação de novos professores, principalmente em matemática, física e química e ciências, também se estabeleceu em lei a obrigatoriedade de oferta de 20% das vagas em cursos de licenciatura.
Antes de uma concepção filosófica, os Institutos Federais surgem da percepção concreta de que a transformação dos CEFETs em universidades tecnológicas, desejo de diversos CEFETs brasileiros, inclusive do CEFET-SC, não seria a resposta adequada para a reorganização da rede (que estaria mais que dobrando de tamanho entre os anos de 2007 a 2010) e para a necessária ampliação da oferta de cursos técnicos e de licenciaturas.
No livreto lançado no início de 2009: Concepções e diretrizes dos Institutos Federais é possível compreender melhor essa questão.
Há ainda muita discussão sobre que tipos de pesquisas deveriam ser executadas pelos Institutos Federais. Para Mario Noronha, tanto os Institutos Federais quanto as Universidades realizam pesquisa aplicada. “O que pode não ocorrer em alguns casos é o alinhamento com as demandas externas”. Essa questão aparece na Lei no. 11.892/2008, que traz entre as finalidades dos Institutos Federais “realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico” (BRASIL, 2008). A falta de clareza sobre o papel dos Institutos Federais foi motivo de uma controvérsia no ano de 2013 entre o CONIF e o Presidente da Capes, Jorge Guimarães, que questionou na abertura da 65ª. Reunião da SBPC a oferta de cursos de pós-graduação stricto sensu pelos Institutos Federais. Em resposta, o CONIF publicou um manifesto reafirmando o papel dos Institutos Federais.
“A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia dá visibilidade a uma convergência de fatores que traduzem a compreensão do atual governo quanto ao papel da educação profissional e tecnológica no contexto social do Brasil e deve ser reconhecida como ação concreta das atuais políticas para a educação brasileira, com recorte especial para aquelas voltadas à educação profissional e tecnológica e à rede federal.”(MEC, 2008)
Na sua concepção os Institutos Federais nascem com objetivo de ampliar a interação com os arranjos produtivos e culturais locais e com a inclusão social. Um estudante tem a oportunidade de ingressar em um curso de formação inicial e continuada (FIC) e alcançar a diplomação em um curso superior e até pós-graduação se assim o desejar.
Respondendo aos estudantes que questionam a diferença dos Institutos Federais e as Universidades podemos afirmar que a RFEPCT distingue-se da rede de universidades federais principalmente pela verticalização de seus cursos, podendo oferecer Formação Inicial e Continuada, cursos técnicos em diversas modalidades (concomitante, subsequente, etc.) até cursos de bacharelado e de pós-graduação, abrigando, também, inovação, pesquisa e extensão.
Por força de lei os Institutos Federais são obrigados a ofertar, no mínimo, 50% de vagas em cursos técnicos e 20% de vagas em cursos de licenciatura. Diversas universidades federais contam com colégios de aplicação, mas a formação técnica não seu foco.
Durante o ato de comemoração dos cinco anos da transformação, o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica publicou um documento chamado: “Institutos Federais – 5 anos de singulares Territórios de Esperanças” onde foram destacadas as principais características e conquistas da RFEPCT:
“Pensar os Institutos Federais, do ponto de vista político, significa definir um lugar nas disputas travadas no âmbito do Estado e da sociedade civil e esse “lugar” é o território; pensado para além de sua circunscrição geográfica, como espaço de relações vivas, situado e datado por pessoas, que constroem a cultura de seu tempo; território que influencia e é influenciado pelos atores ali presentes e pelas interações que dele emergem. Milton Santos usa a expressão “espaço vivido” para contrapor a ideia de que o lugar não é apenas o quadro de vida, e é neste espaço que as experiências são renovadas. Esse novo desenho constituído traz a marca biográfica que tem como principal função a intervenção na realidade, na perspectiva de um país soberano e inclusivo, núcleo para irradiação das ações para o desenvolvimento local e regional” (CONIF, 2013, p.4).
Parabéns pelo aniversário de criação ou de transformação dos Institutos Federais.
Que 2021 seja de muita saúde para todos !
Prof. Jesué Graciliano da Silva
A seguir mostramos alguns depoimentos sobre esse processo.
https://transformacaodocefetscemifsc.wordpress.com/depoimentos-2/