Reforma política do fim do mundo

Quando o governo quer deslocar a atenção do grande público de um ponto para outro são criados fatos políticos que funcionam como uma cortina de fumaça. Com isso há a distração da população com apoio da mídia que não é isenta de intencionalidades. A atual Reforma Política é mais um desses factóides perigosos.  Muda tudo para continuar como está.

Atualmente o país enfrenta uma grave crise econômica e política decorrente dos desdobramentos da Operação Lava Jato, que tornou transparente como funciona o “toma lá-dá-cá” eleitoral.

Meu amigo Joaquim sempre me provoca dizendo que se o barril de petróleo estivesse custando 160 dólares tudo estaria “tranquilo”. Ou seja, tudo estaria acontecendo como sempre foi e nem saberíamos de nada ou não daríamos muita atenção para o problema. Escândalos sempre ocorreram e muitas vezes foram abafados com uso de grandes somas de dinheiro público.

Haveria muito dinheiro para cooptar os dissidentes políticos e para pagar a cumplicidade e omissão da grande mídia. Provavelmente nem teríamos a crise atual na Venezuela. Com dinheiro entrando com facilidade nos cofres públicos os investimentos em programas sociais (Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Pronatec, Mais Médicos por exemplo), grandes eventos (Jogos Pan Americanos, Olimpíadas e Copa do Mundo por exemplo), e grandes obras (transposição do Rio São Francisco, portos, ferrovias, estradas, estádios, refinarias, metrôs etc) estariam garantidos, atenuando os efeitos da crise mundial e dando fôlego à economia.

No mês passado o governo liberou aproximadamente 3 bilhões de reais em emendas parlamentares para garantir que a denúncia de corrupção realizada pelo Ministério Público não fosse investigada pelo Supremo Tribunal Federal. Nada muito diferente do que aconteceu em 2016 antes da votação do impeachment. Como foi amplamente noticiado, o ex-presidente se hospedou em um hotel de Brasília para negociar pessoalmente a liberação de emendas eleitorais e indicações políticas antes da votação do processo de impeachment.

Nessa semana o Ministro da Fazenda veio a público pedir a aprovação do novo déficit público e o congelamento de gastos públicos e salário dos servidores. Ou seja, o governo libera emendas para garantia de sustentação política, pelo menos provisória, e ao mesmo tempo aponta que devemos apertar os cintos com o congelamento de salários e cortes nos investimentos.

Para quem não sabe, as emendas eleitorais são utilizadas para que muitos deputados viabilizem a construção de obras públicas superfaturadas em seus redutos como creches, postos de saúde, asfaltamento de ruas, construção de viadutos etc. Há alguns poucos deputados que não agem assim. Fica para vocês descobrirem quem são… As obras são negociadas com os prefeitos da base eleitoral dos deputados federais de tal forma que as licitações sejam direcionadas para as construtoras da região, que não raras vezes estão em nome de laranjas. Há diversos mecanismos conhecidos para se fraudar as leis de licitação como o fracionamento das obras. Há também a compra de fiscais que fazem a medição do andamento das obras para que façam vista grossa ou aceitem as obras sem atender os requisitos dos editais. A criatividade para roubar o dinheiro público é infinita. Obras mal feitas garantem que dois anos depois sejam publicados  novos editais para reforma. Esse é um dos mecanismos mais utilizados para desviar dinheiro público para contas secretas e fundos eleitorais. Esse esquema foi muito bem detalhado nos livros: Dr Corrupção e Nobre Deputado. São leituras obrigatórias para quem deseja compreender como funciona o sistema eleitoral brasileiro.

Voltando para a Reforma Política é preciso lembrar que o STF proibiu a doação pelas empresas para as campanhas do ano passado. O que vimos foi a ampliação do uso do Caixa 2, do poder econômico e das doações de “laranjas”.

Uma interessante análise pode ser visualizada no site. 

“Mesmo com a proibição das doações empresariais e a queda no número total de arrecadações, a influência das empresas nas campanhas continua. Segundo relatório da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Dapp), que cruzou CPFs de doadores de candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro com CNPJs ativos, 58 dos 59 maiores doadores na cidade ocupam altos cargos em alguma empresa, como sócio, diretor, administrador ou presidente. A maior parte destas empresas atuam na área de construção e engenharia ou no setor imobiliário. De acordo com a análise da FGV-Dapp, as novas regras sobre financiamento não conseguiram acabar com a influência do poder econômico nas campanhas eleitorais, já que o lobby das empresas ainda pode operar por meio de pessoa física dos sócios, proprietários, principais acionistas, diretores e presidentes de empresas”.

Vejam a discussão sobre a reforma política trazida pelo site ConJur:

“Segundo o voto vencedor, do ministro Luiz Fux, “a doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, antes de refletir eventuais preferências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores, no afã de estreitar suas relações com o poder público, em pactos, muitas vezes, desprovidos de espírito republicano”. O relator aponta que, no modelo então vigente, cerca de 20 mil pessoas jurídicas — menos de 0,5% do total de empresas brasileiras —financiavam campanhas políticas. Fux diz ainda que “uma mesma empresa contribui para a campanha dos principais candidatos em disputa e para mais de um partido político, razão pela qual a doação por pessoas jurídicas não pode ser concebida, ao menos em termos gerais, como um corolário da liberdade de expressão”.

O caso da JBS é emblemático. A empresa recebeu empréstimos da ordem de 31 bilhões de reais do BNDES entre 2005 e 2016. Ao mesmo tempo doou milhões de reais para campanhas eleitorais de uma ampla gama de partidos. Ou seja, o dinheiro público foi utilizado para financiar dezenas de candidatos, que acabaram por criar leis que a beneficiaram no Congresso. Um ciclo vicioso evidentemente.

As regras do jogo eleitoral são aprovados até um ano antes da próxima eleição. Então até o mês de outubro de 2017 as regras para as eleições de 2018 serão aprovadas pelo Congresso Nacional.

Diversas questões estão na pauta. Entre elas tem-se a volta das doações das empresas, a criação de um fundo eleitoral com dinheiro público (da ordem de 3 bilhões de reais), o sistema distrital  e a cláusula de barreira.

A maioria da população não tem a menor ideia do que significam esses termos.

Muita gente não entende por exemplo o que é o quociente eleitoral. É difícil querer mudar o país sem compreender como seu sistema eleitoral funciona. Como é possível o voto de um deputado eleger outros 3?

 

Com tantos partidos o presidente da república acaba tendo que praticar o “presidencialismo de cooptação” e não de coalizão.

É preciso entender por que poucos  candidatos são eleitos sem dinheiro e sem vender a alma para agiotas e empresários. Não existe almoço grátis. Toda doação eleitoral acaba sendo um empréstimo. Cada real doado significa mais de oito reais de contratos públicos. Esses dados são apontados no livro de Márlon Reis.

Temos que entender por que as campanhas são tão caras. Por que há tão poucas mulheres na política?  Por que é tão difícil um cidadão comum participar do processo político?  Por que há tanta falta de civismo. Por que ainda é tão fácil comprar votos por 50 reais ou um tanque de gasolina? Por que há tão poucos deputados negros e pobres? Por que o estado de Roraima, por exemplo, tem o mesmo número de senadores que a Bahia ou São Paulo? Por que um deputado precisa de 1 milhão de votos para ser eleito na região sudeste e menos de 20 mil na região norte? Vale entender como essas questões foram definidas ao longo do tempo pelo Congresso Nacional e na própria Constituição.

Nenhum vereador, prefeito, deputado ou presidente deveria ser reeleito. A atuação política não deveria ser uma profissão.

Para se ter uma ideia do problema, há mais de 30 partidos no Congresso. A maioria são pequenos partidos de aluguel que vivem do Fundo Partidário. Na entrevista a seguir é possível conhecer um pouco melhor as ideias do juiz Márlon Reis, que escreveu o livro “O nobre deputado”.  Márlon Reis foi um dos propositores da Lei da Ficha Limpa, uma importante contribuição, mas que ainda foi incapaz de livrar o país de criminosos de gravatas. Se o atual congresso é “ficha limpa” eu não consigo imaginar como seria se a Lei da Ficha Limpa não existisse.

Fica a dica para as leituras indicadas e para a reflexão.

A reforma política está acontecendo com o silêncio descrente das ruas. Penso que apesar das propostas totalmente surreais que estão sendo discutidas não haverá nenhuma mudança no sentido de fortalecer a democracia. Os deputados não vão aprovar nenhuma lei que os prejudiquem no futuro.

Posso estar sendo pessimista. Mas penso que vai demorar muito tempo para que ocorram mudanças efetivas no sistema político. Há 100 anos havia o voto de cabresto e as mulheres não votavam. .

Mesmo que o atual Congresso seja 100% renovado na próxima legislatura dificilmente haverá uma mudança significativa de comportamento dos deputados. As eleições são como pirâmides.

Para cada deputado que hoje está atuando em Brasília, há dezenas de políticos que estão na fila para ocupar sua cadeira e com práticas muito semelhantes nas câmaras estaduais e de vereadores. Os deputados não são alienígenas. Representam também um pouco de nossa sociedade.

Mas tenho fé. Os políticos têm medo quando a população ocupa as ruas. E isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde.

Atenciosamente,

Prof. Jesué Graciliano da Silva

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Material para leitura complementar:

http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/v1_caio_GIV.pdf

https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/9634/1/O%20crescimento%20de%20grandes%20empresas%20nacionais%20e%20a%20contribui%C3%A7%C3%A3o%20do%20BNDES%20via%20renda%20vari%C3%A1vel%20os%20casos%20da%20JBS,%20TOTVS%20e%20Tupy._P.pdf

http://tede.fecap.br:8080/jspui/bitstream/tede/376/1/Leandro_Araujo.pdf

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-28092010-113713/publico/Daniel_G_Falcao_P_Reis_Financiamento_da_politica_no_Brasil.pdf

http://www.transparencia.gov.br/

http://www.acileme.com.br/osbleme

http://osbrasil.org.br/

http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/6/TDE-2012-01-25T131707Z-3589/Publico/436192.pdf

https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/5907/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Alex%20Diniz%20Lopes%20-%202016.pdf